“Você já pensou em comprar armas de fogo na internet, com total
sigilo e recebê-las em casa?” O anúncio, feito há um mês em uma página
pública no Facebook, revela como o comércio ilegal de armamentos
acontece abertamente nas redes sociais, sem qualquer fiscalização. A
reportagem entrou em contato com o vendedor anônimo por meio de um
número de WhatsApp divulgado na rede social. Em poucas mensagens
trocadas em quatro horas, negociou a compra de dois revólveres calibre
357, de uso restrito, com cem munições, anunciados por R$ 2.640.
O vendedor, que administra a página Venda de Armas e Acessórios,
exigiu apenas um comprovante de residência e disse que entregaria as
armas em domicílio em até quatro dias “via transportadora de confiança”
após o depósito bancário. Questionado sobre a situação das armas, ele
disse que ambas não têm registro. A reportagem não efetuou a compra.
Por lei, o comércio de armas pode ser feito apenas por fábricas e
lojas especializadas cadastradas ou entre pessoas que têm posse ou porte
de arma em dia e, mesmo assim, mediante autorização da Polícia Federal
ou do Exército. O comércio ilegal de armas, assim como a exposição dos
produtos, é crime com pena de até oito anos de prisão e multa.
No Facebook, porém, as regras são desrespeitadas. Na última
sexta-feira, a mesma página de venda de armas, cujo administrador diz
morar no Jardim São José, na zona norte de São Paulo, oferecia
revólveres e pistolas de calibres 22, 32, 38, 375, 380 e 9mm. Além do
aplicativo de celular, as compras podem ser efetuadas por e-mail “sem
burocracia”.
Somente no último mês, dez pessoas demonstraram interesse em comprar
as armas vendidas por ele. A reportagem tentou contato com dois deles
pelo Facebook, mas não obteve retorno. O autor da página também não
respondeu à mensagem e e-mails enviados pela reporatgem na sexta-feira,
17.
“A observação que a gente faz é que o processo de transferência,
venda ou doação pela internet deve seguir rito semelhante à aquisição em
uma loja de armas, que inclui a apresentação de todos os documentos
requeridos. O vendedor precisa pedir com antecedência à Polícia Federal a
emissão de uma Declaração de Intenção de Venda. É a Polícia Federal que
vai autorizar essa venda para que, depois, a arma seja repassada”,
explica o diretor executivo do Instituto Sou da Paz, Ivan Marques.
No domingo, 19,a reportagem revelou que páginas e grupos fechados e
secretos no Facebook anunciam e negociam a compra de armas, munições e
acessórios controlados pelo Exército e pela PF Questionados sobre a
prática, a PF, a Polícia Civil de São Paulo e o Exército se eximiram de
responsabilidade pela investigação do comércio de armas de fogo pelo
Facebook.
Menos burocracia
A Império Armas, empresa que fica em Atibaia, no interior de São
Paulo, e se descreve como especializada em assessoria em processos junto
ao Exército e à PF, “com o objetivo de diminuir a burocracia dos órgãos
responsáveis pela legalização de armas no Brasil”, também divulga
armamento com preços em sua página no Facebook e nos grupos fechados,
como uma carabina de calibre .40 e uma espingarda de calibre 12.
Procurada pela reportagem, uma funcionária que se identificou apenas
como Gabrieli disse que a empresa não vende armas, apenas anuncia
produtos de parceiros. Segundo ela, não há irregularidade na prática.
“Não somos uma loja de armas. Nós vendemos assessoria documental.
Geralmente, quando é uma coisa ilegal, o Facebook barra”, justifica.
Estímulo. Para Renato Sérgio de Lima, vice-presidente do Fórum
Brasileiro de Segurança Pública e professor da Fundação Getulio Vargas
(FGV), as páginas estimulam a compra de armas, na contramão do que prega
o Estatuto do Desarmamento, de 2003. “Estudos mostram que quando as
polícias fortalecem ações de apreensões de armas, os crimes, como
homicídios, caem”, afirma.
ESTADÃO.