Canções que falam sobre bater em mulher não podem ser consideradas
narrativas de relações privadas íntimas nem mera manifestação artística
de prazer feminino masoquista, porque transmitem ao público a ideia de
que o ato é correto. Assim entendeu a 2ª Seção do Tribunal Regional
Federal da 4ª Região ao determinar que a produtora de funk Furacão 2000
pague indenização de R$ 500 mil pela letra da música Tapinha, sucesso do verão 2001. O valor deve ser repassado para o Fundo Federal de Defesa dos Direitos Difusos da Mulher.
Os versos de “um tapinha não dói, só um tapinha” foram alvo de ação
civil pública movida pelo Ministério Público Federal e pela Themis -
Gênero e Justiça, grupo de assessoria jurídica e estudos feministas. Os
autores alegam que a letra banaliza a violência contra a mulher, assim
como o axé “Tapa na Cara”. O pedido foi parcialmente acolhido em
primeira instância, sendo que a condenação ficou restrita à produtora
Furacão 2000, pela primeira música.
A produtora recorreu ao tribunal e chegou a conseguir decisão
favorável na 4ª Turma. Na ocasião, o relator do acórdão, desembargador
federal Cândido Alfredo Silva Leal Júnior, considerou insuficientes as
provas de que a letra tenha denegrido a imagem feminina. “Este julgador
não pode censurar músicas ou distribuir indenizações como se fossem
prêmios num programa de auditório”, declarou em 2013.
A decisão, porém, não foi unânime e permitiu a reanálise pelos
embargos infringentes na 2ª Seção, composta pelas duas turmas
responsáveis pela área cível. O julgamento foi concluído na última
quinta-feira (15/10), com o voto de desempate da desembargadora federal
Maria de Fátima Freitas Labarrère. Venceu a tese do desembargador
federal Luiz Alberto d’Azevedo Aurvalle.
“Até mesmo uma lei especial [Lei Maria da Penha - 11.340/2006] e
investimentos de conscientização foram e são necessários porque persiste
enraizada na sociedade brasileira inconcebível violência contra a
mulher. Nessa perspectiva, músicas e letras como ‘Tapa na Cara’ e
‘Tapinha’ não se mostram simples sons de gosto popular ou ‘narrativas de
relações privadas íntimas’ ou ‘manifestação artística’ de prazer
feminino masoquista, mas abominável incitação à violência de gênero ou
aval a tais criminosas e nefastas condutas”, afirmou Aurvalle.
“Mesmo o repúdio geral à censura não implica irrestrita possibilidade
de divulgação e comunicação de tudo. Deve-se ponderar todos os demais
direitos fundamentais, sob pena de o cidadão ficar refém de mídia
onipotente, visando apenas ao lucro, sem o cumprimento de escopos
coletivos, insculpidos em tratados internacionais, na Constituição
Federal e em diplomas legais”, avaliou o desembargador. O acórdão ainda
não foi publicado. Com
informações da Assessoria de Imprensa do TRF-4.
Processo 00012332120034047100