Um esquema montado para esquentar dinheiro
Obtido com exclusividade por ISTOÉ, inquérito no STF pode levar André Vargas à cadeia por falsidade ideológica. Para o MP e a PF, deputado petista montou uma "lavanderia" para justificar recursos de origem duvidosa que irrigaram suas campanhas eleitorais
Izabelle Torres (izabelle@istoe.com.br) e Claudio Dantas Sequeira (claudiodantas@istoe.com.br)
O
deputado André Vargas (PT-PR) é um político em estado terminal. Num
último esforço para tentar preservar o mandato, o petista renunciou ao
posto de vice-presidente da Câmara e tirou uma licença de 60 dias. Não
foi o suficiente para impedir que seus pares instaurassem um processo
contra ele no Conselho de Ética da Câmara por quebra de decoro
parlamentar, nem que o seu partido, o PT, o ameaçasse de expulsão. Sua
situação se deteriorou depois que ele foi acusado de manter uma relação
promíscua com o doleiro preso na Operação Lava Jato, Alberto Youssef.
Vargas é o deputado que ergueu os punhos cerrados, repetindo o gesto
dos mensaleiros presos, para debochar do presidente do STF, Joaquim
Barbosa, em sessão de abertura do ano legislativo no Congresso. Agora,
por ironia da política, quem pode selar o destino político de Vargas é
justamente o Supremo, instituição à qual o petista ousou desafiar e
fazer troça. Na última semana, ISTOÉ teve acesso com exclusividade às
mais de 500 páginas do inquérito 3596, instaurado pelo STF a pedido do
Ministério Público Federal, que pode levar Vargas para a cadeia pelo
crime de falsidade ideológica para fins eleitorais. A pena prevista,
caso o petista seja condenado, varia entre um e cinco anos de reclusão.
No robusto processo, o Ministério Público Federal afirma que há fortes
indícios de que o parlamentar montou uma lavanderia de dinheiro para
justificar doações eleitorais. Nem a Justiça Eleitoral consegue dizer se
os recursos apresentados nas prestações de campanha algum dia chegaram
mesmo a circular na conta bancária.
ORIGEM SUSPEITA
A Justiça Eleitoral não identificou na conta bancária os recursos apresentados
nas prestações de contas de André Vargas
Constam
do processo depoimentos de mais de 80 testemunhas que afirmam nunca
terem doado dinheiro para a campanha de Vargas. Mas esses são apenas
parte dos 200 “laranjas” utilizados pelo petista para justificar a
origem dos recursos suspeitos em suas campanhas eleitorais. A prática
ilícita teria começado nas eleições de Vargas para deputado federal em
2006 e se reproduzido na campanha de 2010. Na documentação que embasa o
inquérito em curso no STF há relatos dos auditores do Tribunal Eleitoral
do Paraná sobre a dificuldade de fazer uma apuração detalhada das
contas apresentadas devido à complexidade do esquema. Os procuradores,
porém, acreditam que as notas de gastos apresentadas pelo deputado
licenciado são frias. Uma lista completa com os dados bancários do
parlamentar e dos doadores fictícios, com observações sobre o
desencontro dos dados e valores, fundamenta a suspeita dos procuradores.
No STF, o inquérito contra André Vargas é relatado pelo ministro Teori Zavascki.
O ministro delegou ao juiz Marcio Fontes a missão de coordenar as
investigações. Diligências já foram pedidas à Polícia Federal
O
esquema de lavagem de dinheiro de Vargas não se limitaria às operações
de fraude nas prestações de contas de campanha. Teria ramificações. Em
outra ponta da investigação, a Polícia Federal segue o rastro de
empresas em nome dos familiares de Vargas. Nos grampos telefônicos
divulgados até agora, o deputado aparece em conversas com o doleiro
Alberto Yousseff cobrando pagamento de comissões a determinados
consultores, um deles chamado “Milton”. Trata-se de seu irmão Milton
Vargas Ilário e a PF suspeita que outros familiares do petista também
tenham sido usados como laranjas. Nessa vertente do amplo esquema
montado por Youssef, a lavagem de dinheiro se daria a partir do uso de
empresas de fachada abertas por seus familiares. Entre as empresas
investigadas pela Polícia Federal, que teriam sido usadas na lavanderia
Vargas, encontra-se a LSI Solução em Serviços Empresariais. Foi
constituída em agosto de 2011 pelo irmão Leon Denis Vargas Ilário e a
mulher, Simone Imamura Vargas Ilário, com capital social de apenas R$ 15
mil. Em 18 de setembro de 2013, os sócios trocam de lugar. Simone sai e
entra Milton. É justamente a véspera da intensa troca de mensagens em
que parlamentar e doleiro comemoram as gestões da parceria entre os
laboratórios Labogen, LFM e EMS para abocanhar contrato de até R$ 150
milhões com o Ministério da Saúde. Em apenas um ano, a LSI mudou três
vezes de ramo, ampliando seu leque de atuação de pesquisa e consultoria a
atividades de cobrança, publicidade, organização de eventos, gestão
empresarial e até tecnologia da informação. Curiosamente, a empresa foi
aberta no número 58 da alameda Sarutaia, no bairro do Jardim Paulista
(SP), onde já funcionava há anos outra empresa, a agropecuária Adram
S/A, que acaba de ser selecionada para uma linha especial de crédito do
BNDES. Existe a desconfiança na PF de que Vargas e seus parentes também
estejam por trás da Adram S/A. Com a entrada de Milton, irmão do
petista, a sede da LSI foi transferida para um apartamento residencial
da Vila Mariana, bairro da capital paulista. A PF não identificou
qualquer indício de atividade comercial no endereço. Da mesma forma não
foi encontrada atividade empresarial no endereço da L Vargas & CIA
Ltda., localizada em São José dos Pinhais. A empresa está em nome de
outro irmão do deputado chamado Loester Vargas Ilário e sua mulher,
Luzia Salete Ribeiro Ilário, e tem como objeto social a prestação de
“serviços auxiliares do mercado de capitais”.
No
STF, o inquérito que pode levar Vargas à cadeia pelo crime de falsidade
ideológica para fins eleitorais é relatado pelo ministro Teori
Zavascki. O ministro delegou ao juiz instrutor Marcio Fontes a missão de
coordenar as investigações. O juiz pediu dezenas de diligências à
Polícia Federal, que trabalha há meses na tomada de depoimentos de
testemunhas. Nos próximos dias, o juiz vai analisar as notas fiscais
apresentadas nas últimas campanhas por Vargas. Com base nos depoimentos
já registrados de pessoas que constam da lista de doadores, e que
garantem não saber como seus nomes foram parar lá, a Polícia Federal vai
intensificar a apuração sobre a origem dos recursos que abasteceram a
campanha do petista. O uso de laranjas para justificar parte das doações
seria uma manobra contábil para esquentar recursos de origem duvidosa.
No último dia 18 de março, um ofício assinado pelo ministro Zavascki
foi enviado à PF. No ofício, o ministro pede o encerramento da fase de
oitivas de testemunhas. Para a PF, os depoimentos não deixam dúvidas de
que as doações eram mesmo fictícias.
Os
documentos reunidos até agora no inquérito em tramitação no STF
complicam de vez a situação política de Vargas. No processo, o
Ministério Público identifica uma série de operações estranhas a
prestações de contas de um candidato a deputado federal. Por exemplo,
extratos bancários da conta aberta em 2006 pelo então candidato do PT
mostram movimentações muito abaixo dos custos de uma campanha, com
saldos que não passam de R$ 2 mil. Além disso, o ritmo de arrecadação
oficial era lento, com a realização de jantares de adesão que
arrecadavam pouco mais de R$ 3 mil a cada evento. Mas foi a lista
provavelmente fictícia de doações recebidas em 2006 pelo parlamentar que
encorpou o processo que pode levar Vargas à cadeia. Dos pouco mais de
R$ 300 mil declarados à Justiça Eleitoral naquele ano, quase R$ 100 mil
aparecem como sendo de pequenas doações – entre R$ 20 e R$ 600 – de
pessoas físicas. O problema é que cerca de 200 pessoas listadas como
“doadoras” por Vargas afirmam nunca terem contribuído com qualquer
campanha, especialmente a do petista.
RELAÇÕES PROMÍSCUAS
A Polícia Federal suspeita de que o deputado André Vargas
e seus irmãos frequentavam o escritório do doleiro Alberto Youssef, preso
na Operação Lava Jato, no número 155, da rua Dr. Elias César em Londrina
Nesse
grupo estão 81 vigilantes da Universidade Estadual de Maringá. Eles
chegaram a entrar com processos por danos morais na Justiça Estadual
contra Vargas e quase a metade já recebeu indenizações. ISTOÉ localizou
alguns desses doadores fictícios, que nos últimos dias vêm sendo
chamados a depor na Polícia Federal. “Levamos um susto quando avisaram
que nosso CPF estava na lista de campanha. Muita gente da universidade
correu para ver o que tinha acontecido. Nunca nos explicaram direito
como fomos parar lá. Agora, esperamos a resposta do processo”, diz
Wilson Novo, que, segundo a prestação de contas do deputado Vargas,
teria doado R$ 90 para a campanha petista. “Não doamos nada a ninguém.
Por isso, buscamos reparações”, completa João Lozada, outra vítima de
Vargas.
Na campanha de 2010, o deputado
licenciado André Vargas repetiu a fórmula de elencar muitos doadores de
pequenas quantias. Não bastasse essa prática suspeita, o petista ainda
transformou a sua conta oficial em um duto para que doações ocultas
fossem distribuídas a outros candidatos. Empresas doaram dinheiro para o
diretório do PT, que, por sua vez, repassou as quantias para a conta de
Vargas, a quem cabia fazer uma nova distribuição. Pelo menos R$ 800 mil
de origem desconhecida foram repassados por ele a outros candidatos. Na
leitura técnica de quem investiga o caso no STF, descobrir a origem dos
recursos que passaram pelas contas eleitorais de Vargas pode ser o
caminho para desvendar as dúvidas que ainda precisam ser dirimidas no
inquérito no Supremo.
Relator do processo contra André Vargas na Câmara, o deputado
Júlio Delgado (PSB-MG) promete dar celeridade ao caso
A
PF pretende ainda pedir a quebra de sigilo bancário e telefônico de
Vargas e de seus familiares para identificar a movimentação financeira
das empresas e eventuais contatos dos familiares com o doleiro Alberto
Youssef. Suspeita-se que o parlamentar e seus irmãos frequentavam o
escritório do doleiro no número 155, da rua Dr. Elias César em Londrina.
Há mais de R$ 60 mil em notas de abastecimento de veículos usados por
Vargas num posto de gasolina (Posto Centro Cívico) a apenas 550 metros
do apartamento de Youssef. Ao constituírem a LSI, o casal Leon Vargas e
Simone deram como endereço o número 480 da avenida Inglaterra, a apenas
1,7 km dali. Além da família, a Polícia Federal também está de olho nos
assessores políticos de Vargas. Seu chefe de gabinete, Wagner Pinheiro,
também serviu ao falecido deputado José Janene e outros caciques do PP
desde a época da eclosão do escândalo do mensalão. Acuado pelas
denúncias que o cercam, Vargas recebeu na semana passada apelos do PT
para que renunciasse ao mandato. Seria, na visão desses petistas, uma
tentativa de não contaminar a candidatura à reeleição de Dilma Rousseff.
O petista se negou a atender aos pedidos. Reclamou de abandono e
desabafou com colegas mais próximos que sua resistência em abrir mão do
mandato se deve ao temor de que seu inquérito no STF, aquele que pode
colocá-lo atrás das grades, seja enviado à Justiça de primeira instância
do Paraná. A essa altura, porém, são poucas as alternativas políticas
para André Vargas, o petista que ousou desafiar a Suprema Corte do País e
que pode ter seu destino selado por ela.
“Não imaginava que estava sendo gravado”
“Deveria ter dito: “Vai à PQP!... mas fiquei quieto”
ISTOÉ
– Num despacho de 7 de abril, o juiz Sergio Moro, responsável pela
operação Lava Jato, diz que a polícia segue examinando o material
apreendido e complementando as investigações, mas que ainda seria
prematuro afirmar que a relação do senhor com o doleiro Alberto Youssef
tem “natureza criminosa”. Por quê?
ANDRÉ VARGAS – O despacho do juiz Sergio Moro é esclarecedor. Para mim, Alberto Youssef sempre foi um grande empresário, dono do maior hotel de Londrina. Ele me disse que tinha sido doleiro no passado e até que fizera delação premiada no Ministério Público. Mas dizia que não atuava mais como doleiro.
ISTOÉ – Num diálogo gravado, o doleiro fala que vocês dois poderiam conquistar a independência financeira em negócios com o governo.
VARGAS – Meu erro foi ficar em silêncio quando ouvi isso. Não imaginava que estava sendo gravado. Deveria ter dito: “Vai à PQP!...” Mas fiquei quieto e o silêncio foi gravado.
ISTOÉ – Estava deslumbrado?
VARGAS – Não. Deveria ter reagido e não reagi. Mesmo assim, logo depois a transcrição mostra um “kkkkk”. Ele estava fazendo graça.
ISTOÉ – O sr. também pergunta pelo dinheiro para o “Milton.” Era seu irmão?
VARGAS – Era. Quando estava montando o laboratório Labogen, o Youssef me pediu uma indicação para a área de informática. Indiquei o Milton, que é consultor sênior de grandes empresas. Ele trabalhou para o Youssef e não recebeu. Por isso perguntei.
ISTOÉ – O sr. ajudou o Labogen esperando dinheiro para campanha?
VARGAS – Isso não aconteceu. Dei orientações. Não marquei uma reunião em Brasília. Se era o Labogen uma empresa para lavar dinheiro, como dizem hoje, é preciso uma auditoria para demonstrar.
ISTOÉ – O sr. responde a processo no STF em que é acusado de falsidade ideológica, por ter apresentado falsos doadores nas contas de campanha.
VARGAS – Na campanha de 2006 reuni um grupo de vigilantes para pedir apoio para minha eleição. Eles me trouxeram 199 votos. A acusação de lavagem de dinheiro não faz sentido. Deram contribuições de R$ 20. Alguém vai fazer alguma coisa para lavar R$ 20?
Fotos: Sérgio Lima/Folhapress, Adriano Machado/Istoé; ANIELE NASCIMENTO/GAZETA DO POVO/AEhttp://www.istoe.com.br/ reportagens/357452_UM+ESQUEMA+ MONTADO+PARA+ESQUENTAR+ DINHEIRO
ANDRÉ VARGAS – O despacho do juiz Sergio Moro é esclarecedor. Para mim, Alberto Youssef sempre foi um grande empresário, dono do maior hotel de Londrina. Ele me disse que tinha sido doleiro no passado e até que fizera delação premiada no Ministério Público. Mas dizia que não atuava mais como doleiro.
ISTOÉ – Num diálogo gravado, o doleiro fala que vocês dois poderiam conquistar a independência financeira em negócios com o governo.
VARGAS – Meu erro foi ficar em silêncio quando ouvi isso. Não imaginava que estava sendo gravado. Deveria ter dito: “Vai à PQP!...” Mas fiquei quieto e o silêncio foi gravado.
ISTOÉ – Estava deslumbrado?
VARGAS – Não. Deveria ter reagido e não reagi. Mesmo assim, logo depois a transcrição mostra um “kkkkk”. Ele estava fazendo graça.
ISTOÉ – O sr. também pergunta pelo dinheiro para o “Milton.” Era seu irmão?
VARGAS – Era. Quando estava montando o laboratório Labogen, o Youssef me pediu uma indicação para a área de informática. Indiquei o Milton, que é consultor sênior de grandes empresas. Ele trabalhou para o Youssef e não recebeu. Por isso perguntei.
ISTOÉ – O sr. ajudou o Labogen esperando dinheiro para campanha?
VARGAS – Isso não aconteceu. Dei orientações. Não marquei uma reunião em Brasília. Se era o Labogen uma empresa para lavar dinheiro, como dizem hoje, é preciso uma auditoria para demonstrar.
ISTOÉ – O sr. responde a processo no STF em que é acusado de falsidade ideológica, por ter apresentado falsos doadores nas contas de campanha.
VARGAS – Na campanha de 2006 reuni um grupo de vigilantes para pedir apoio para minha eleição. Eles me trouxeram 199 votos. A acusação de lavagem de dinheiro não faz sentido. Deram contribuições de R$ 20. Alguém vai fazer alguma coisa para lavar R$ 20?
Fotos: Sérgio Lima/Folhapress, Adriano Machado/Istoé; ANIELE NASCIMENTO/GAZETA DO POVO/AEhttp://www.istoe.com.br/
Um comentário:
Promiscuidade!! Essa é a palavra que define as 'relações' dessa gente! (O Código Penal também tem um capítulo bem apropriado para isso!).
O citado criminoso, Alberto Youssef, NUNCA foi empresário de coisa alguma. Dentre outras coisas que ele fazia antes de enriquecer ilicitamente, uma era a atividade de "sacoleiro" entre Paraguay e Brasil. Posteriormente entrou no ramo da lavagem de dinheiro, atendendo clientes importantes, tanto no cenário político paranaense, até o nacional.
Ele já atuava desde que o governador do Paraná era Jaime Lerner, e continua imbatível durante TODO o (des)governo petista. No Mensalão seus 'serviços' foram muito requisitados.
Não se encontraram por acaso: o ex-deputado-mensaleiro-fujão José Janene (falecido), Belinati, André Vargas, Gilberto Carvalho, SÃO LONDRINENSES!
Talvez isso explique muita coisa! E André Vargas 'naturalmente' conquistou um lugar de destaque no grupo, praticamente assumindo o lugar do mencionado deputado-fujão-mensaleiro José Janene, inclusive 'adotando' pessoas que lhe eram muito próximas. Mais esclarecedor, impossível!!
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